Participação de Mulheres

Marta de Almeida

 

Desde a criação do Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil houve participação de mulheres. Através da documentação desse órgão, a recorrente invisibilidade das mulheres na história das ciências pode ser descortinada, assim como as variadas forças políticas e sociais que comprometeram sua participação tanto no aspecto prático como no reconhecimento de suas contribuições para a construção das ciências nos mais diversos campos do saber.

 

 

Embora tenha havido a participação efetiva de mulheres nos trabalhos do CFE, o número delas foi baixo, refletindo o processo de profissionalização das ciências, fortemente marcado pela visão masculina de conhecimento. Por muito tempo a presença feminina nas ciências era vista como uma contradição: como cientistas, as mulheres eram atípicas; como mulheres, elas não serviriam para “a Ciência”. A falta de direito à propriedade intelectual também fez com que os registros da participação feminina em pesquisas e invenções científicas permanecessem no nome de seus pais, maridos ou outros familiares, tornando as mulheres invisíveis nessa documentação. Historicamente as mulheres se concentraram nas disciplinas científicas de menor status e de menor remuneração.

 

 

Recorte de jornal Correio da Manhã, destacando o voto contrário de Heloísa Alberto Torres, conselheira pelo Museu Nacional, à nova expedição da Bandeira Piratininga. 1938. Dossiê CFE.T.2.129

O fortalecimento do movimento feminista muito pressionou para que as instituições científicas começassem a se abrir para as mulheres, ao mesmo tempo em que elas fortaleciam suas carreiras profissionais e participavam de círculos nacionais e internacionais com outras mulheres cientistas. Foi o caso de Bertha Lutz, estudiosa das ciências naturais, que consolidou sua carreira científica trabalhando no Museu Nacional do Rio de Janeiro e, como membro do CFE envolveu-se na discussão de políticas públicas de proteção do patrimônio natural brasileiro, como a criação de Parques Nacionais, e de organização de Museus e suas atividades educacionais. Bertha Lutz desenvolveu um trabalho totalmente independente daquele que realizava em conjunto com o pai, Adolpho Lutz, demonstrando suas próprias concepções sobre ciências e sobre o desenvolvimento das instituições científicas, respaldada por ampla circulação em diversos países.

Apesar da participação das mulheres nas instituições científicas ter aumentado, isso não implicou em uma reformulação da estrutura existente, pautada em princípios identificados como masculinos. Por exemplo, ao longo dos seus trinta e cinco anos de funcionamento, o CFE retrata uma enorme disparidade de gênero em seus quadros funcionais: foram 12 Presidentes, nenhuma mulher. Dos 56 membros que atuaram na composição do Conselho, apenas 7 foram conselheiras: Heloisa Alberto Torres, Bertha Lutz, Maria Martha Barbosa, Maria Heloisa Fenelon Costa, indicadas pelo Museu Nacional; Nair de Moraes Carvalho, indicada pelo Museu Histórico Nacional; Ruth Maria Baião e Lucia Olinto de Oliveira, indicadas pelo Ministério das Relações Exteriores.

Com relação às mulheres nas expedições científicas que vieram ao Brasil nesse período, poucas requisitavam suas licenças sozinhas. Muitas vinham como parte de uma equipe profissional ou eram esposas de viajantes que trabalhavam junto com seus maridos como pesquisadoras ou assistentes e compartilhavam da licença adquirida por eles. Mesmo assim, é possível perceber que os lentos processos de transformação cultural e as formas de luta foram ganhando novos contornos e abrindo caminhos para as mulheres nas mais diversas áreas profissionais.

 

imagem de capa:
Cartão de apresentação e recorte do jornal A Noite sobre a expedição de Ruth Landes (EUA) da Universidade da Colômbia, para estudar grupos indígenas. 1938. Dossiê CFE.T.2.116.