Diego Alex Cruz


O século XIX foi fundamental para a consolidação da ciência enquanto um importante instrumento de produção de conhecimento, de ferramentas técnicas e até mesmo de obtenção de poder. Dentre as importantes produções científicas do período estão as produções cartográficas, como o mapa que fez com que o Brasil se tornasse um importante ator na dinâmica da produção cartográfica mundial e que foi de suma importância também para a afirmação do país enquanto uma nação, a “Carta Geral do Império” de 1875.

No texto “Circunstâncias da Cartografia no Brasil oitocentista e a necessidade de uma Carta Geral do Império”, de Moema Vergara e Bruno Capilé, ampliou-se o debate acerca do contexto da produção desse material, apresentando as dificuldades que foram colocadas para a sua realização e suas potencialidades latentes e, com isso, a sua importância para a história da cartografia e, sobretudo, da ciência no país.

Embora exista um mito recorrente de que não havia ciência na história do país, vemos que neste momento o Brasil se inseria na dinâmica da produção científica mundial. No que tange a produção cartográfica no 2º Reinado, esse movimento foi marcado pela fundação, em 1860, do Ministério da Agricultura, do Comércio e das Obras Públicas (MACOP) que simbolizou a busca pela institucionalização estatal das decisões desses setores, isto é, a busca por mais conhecimento e controle sobre o território nacional. Para a realização deste trabalho foram estabelecidas as comissões cartográficas que fez com o que a produção fosse segmentada, respeitando as áreas de conhecimento e as funções entre elas estabelecidas, sendo todas parte importante do processo de construção da Carta Geral do Império. Em especial temos a Comissão da Carta Geral do Império (1862), com a produção deste mapa, assim como temos a Comissão de Triangulação do Município Neutro (1866), a Comissão da Carta Itinerária (1874), a Comissão Geológica (1875), a Comissão Astronômica (1876) e a Comissão da Carta Arquivo (1876). Perante a questões políticas internas, tais comissões deixaram de existir em 1878.

Essa produção cartográfica cumpriu funções importantes no que tange a organização do território brasileiro, seu contexto de produção nos traz a analisar as possíveis intencionalidades que esse mapa trazia junto a sua realização. Por isso, observar seus aspectos internos e externos é importante para analisá-lo com maior precisão.

Figura 1: Carta do Império do Brasil em 1875.
Fonte: Fotomontagem de Leonardo Rangel a partir das quatro folhas do mapa original fotografado na 5ª Divisão de Levantamento do Exército, no Rio de Janeiro.

Dentro dos aspectos internos, a produção da Carta Geral do Império tem o papel de gestar um processo de integração nacional, desde o conhecimento dos povos originários e a sua dinâmica de ocupação do espaço, também para levantar conhecimentos acerca da geologia nacional e até mesmo o estabelecimento de melhoramentos técnicos como ferrovias, estradas e telégrafos para poder expandir a atividade agrícola e a descentralização da ocupação do território nas regiões costeiras. Além disso, também se apresentava a necessidade de uma maior integração entre as províncias, o que facilitaria a circulação de informações e das decisões tomadas pelo Império.

Além disso, a Carta Geral cumpriu um papel interno fundamental, que é a forma de representação que um mapa produz sobre o espaço geográfico, o fortalecimento da relação do povo com esse território e desse território com o povo. Esse pode ser considerado um dos grandes triunfos dessa produção, a produção de um sentimento que transcende a ideia do espaço nacional somente como um conjunto administrativo, mas sim enquanto a construção de um projeto de sociedade, uma nação.

No contexto externo inseriu o Brasil na rota das produções científicas mundiais, o que gerou credibilidade no trabalho científico brasileiro dentro e fora do país. Além disso, essa produção faz com que o Brasil demarque formalmente suas fronteiras entre os seus vizinhos e faz com que o país seja apresentado para o mundo com grande unidade territorial, com uma nação identificada, civilizada e próspera, transmitindo para o resto do mundo sua possibilidade de estabelecer acordos comerciais que seriam lucrativos para ambas as partes.

Essa produção de imaginário do país fica representada a partir da divulgação da Carta Geral do Império, na Exposição Nacional (1875), e a Exposição Universal, nos EUA (1876), que era um importante espaço de divulgação das produções científicas mundiais e fizeram com que o território nacional fosse ainda mais difundido e legitimado.

Seu potencial é revelado a partir da produção da Carta Geral do Império, que para ser realizada necessitou de uma série de levantamentos técnicos de informações acerca do espaço geográfico brasileiro, fazendo com que esse conhecimento científico fosse transformado na produção de um mapa que consigo carrega um processo de formação de identidade e de pertencimento a uma Nação.

O texto desconstrói o mito da inexistência de ciência no passado de nosso país, apresentando uma série de produções anteriores que foram importantes instrumentos na construção da Carta Geral. Desde o período colonial até os dias de hoje, esse mito de que nós brasileiros não somos afeitos à produção científica tem sido difundido pelo senso comum, por vezes, para justificar os cortes e contingenciamentos no setor.

Diego Alex Cruz é graduando em Geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Para saber mais:

CAPILÉ, Bruno e VERGARA, Moema. Circunstâncias da Cartografia do Brasil oitocentista e a necessidade de uma Carta Geral do Império. Revista Brasileira de História da Ciência. v. 5, nº 1, p. 37 – 49, 2012

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