José Rogério Beier
Depois da vinda dos padres matemáticos à América portuguesa no segundo quartel do século XVIII, dezenas de engenheiros-militares foram enviados à América portuguesa, sobretudo, no âmbito das partidas de demarcações de limites entre as possessões americanas das Coroas Ibéricas decorrentes dos tratados de Madri (1750) e Santo Ildefonso (1777). Ainda assim, poucas foram as cartas geográficas elaboradas na escala da capitania entre a década de 1730 e a primeira metade da década de 1780. Será apenas com a chegada do capitão-general Bernardo José de Lorena, em 1788, que se estabelecerá uma divisão de engenheiros, matemáticos e astrônomos na Capitania de São Paulo, atuando firmemente na elaboração de uma série de novas cartas na escala da capitania, consideradas bastante precisas para a época.
JOÃO DA COSTA FERREIRA (1750-1822)
João da Costa Ferreira nasceu em Lisboa no mesmo ano em que d. José I assumiu o trono de Portugal, 1750. Nesta mesma cidade matriculou-se no curso de Matemática da Real Academia Militar, o qual concluiu com êxito, galgando rapidamente posições na hierarquia militar, todos com exercício de engenheiro. Em Portugal prestou relevantes serviços de caráter civil, principalmente em sua cidade natal, onde atuou como ajudante do Sargento-Mor Engenheiro José Monteiro de Carvalho na reedificação de Lisboa após o grande terremoto de 1755.
Em 1788 foi promovido ao posto de capitão de Engenheiros, tendo sido, logo em seguida, enviado à América portuguesa em companhia do recém-nomeado governador e capitão-general de São Paulo, Bernardo José de Lorena, para servir naquela capitania. Sua partida foi comunicada por ofício ao então vice-rei do Estado do Brasil, Luiz de Vasconcelos e Sousa, informando-o que, em caso de necessidade dos serviços de João da Costa Ferreira nos trabalhos de demarcações dos limites com os domínios espanhóis, que o mesmo fosse ordenado a se integrar à 1ª Divisão das Demarcações.
João da Costa Ferreira chegou à Capitania de São Paulo em julho de 1788, sendo logo empregado nos serviços de engenharia. Dentre seus primeiros trabalhos estava o planejamento e construção de uma estrada comunicando a cidade de São Paulo ao povoado de Cubatão, próximo a Santos, no pé da Serra do Mar. Concluída em 1792, a estrada ficou conhecida como Calçada do Lorena, por ter sido inaugurada ainda durante o governo de Bernardo José de Lorena (1788-1797), e foi a primeira estrada pavimentada em pedra da capitania.
Durante sua permanência em São Paulo, Costa Ferreira também levantou uma série de mapas da capitania, além de plantas de vilas, planos de edifícios públicos, praças e arruamentos, dentre outras tantas obras. Seus mapas manuscritos, especialmente os elaborados entre 1789 e 1793, estão entre os mais precisos feitos à época, pois contavam com informações astronômicas levantadas in loco por astrônomos e matemáticos enviados pela Coroa à América portuguesa para trabalharem nas demarcações de limites com os domínios espanhóis.
Para se ter ideia da precisão de seus trabalhos, segundo informações do coronel Laurênio Lago, foi confiado à João da Costa Ferreira, em 1815, o levantamento de uma nova carta corográfica e hidrográfica das costas da capitania paulista. A qualidade desta carta teria sido considerada tão boa que, “após terem examinado sua exatidão”, os ingleses teriam mandado imprimi-la (LAGO, 1941, p. 60). Uma pena que o coronel Laurênio Lago não informe em sua obra quem são esses ingleses ou tampouco dê detalhes acerca da impressão deste mapa.
Embora tivesse solicitado permissão à Coroa para retornar a Portugal em mais de uma ocasião, João da Costa Ferreira acabou falecendo na cidade de São Paulo, aos 25 de abril de 1822, tendo sido sepultado na Igreja da Ordem Terceira do Carmo.
UMA DIVISÃO DE ENGENHEIROS PARA A CAPITANIA DE SÃO PAULO
Desde a última década do século XVIII a principal referência na elaboração das representações cartográficas do território paulista era o engenheiro-militar português João da Costa Ferreira. Enviado pela Coroa portuguesa a América em 1788, acabou tendo seus serviços oferecidos pelo vice-rei do Estado do Brasil, Luiz de Vasconcelos e Sousa, ao então recém-nomeado capitão-general de São Paulo, Bernardo José de Lorena, uma vez que os trabalhos de demarcação referentes ao tratado de Santo Ildefonso (1777) estavam paralisados. Juntamente com o capitão Costa Ferreira foram oferecidos para compor uma divisão de engenheiros na Capitania de São Paulo mais dois engenheiros, o Sargento-Mor Cândido Xavier de Almeida e o também Sargento-Mor Antônio Ferreira da Rocha; um ajudante de engenheiro, Antônio Rodrigues Montesinhos; além de dois astrônomos-matemáticos, Bento Sanches d’Orta e Francisco de Oliveira Barbosa.
A Carta Corographica e Hydrographica de Toda a Costa do Mar da Capitania de S. Paulo, elaborada por João da Costa Ferreira entre 1789 e 1793, é um bom exemplo da atuação da divisão de engenheiros da capitania de São Paulo no levantamento cartográfico. Trata-se de um mapa manuscrito e aquarelado, de grandes dimensões, medindo 105 x 153,5 cm. Atualmente pode-se encontrar um exemplar deste mapa sob a guarda do Arquivo Histórico do Exército, no Rio de Janeiro.
Para a confecção desta carta João da Costa Ferreira contou com o auxílio do ajudante de engenheiros Antônio Rodrigues Montesinho, que se incumbiu de levantar o mapa da costa paulista desde Bertioga até os limites da então capitania com o Rio de Janeiro; de Francisco de Oliveira Barbosa, astrônomo real de d. Maria I entre os anos de 1791-1793, que realizou o cálculo e a fixação dos pontos de longitude e latitude da cidade de São Paulo, bem como de outros treze pontos do litoral paulista (de Guaratuba à Barra do Juqueriquerê) e, por fim, do segundo tenente do Real Corpo de Engenheiros, Rufino José Felizardo e Costa, que foi incumbido de riscar o desenho dessa carta.
Desta carta se destaca, sobretudo, o levantamento pormenorizado da costa feito por João da Costa Ferreira e pela divisão de engenheiros de São Paulo nos tempos de Lorena.
Embora não tenha aparecido no detalhe da Figura 2, o mapa traz destacado, em seu canto inferior esquerdo, uma tabela contendo as posições astronômicas de diferentes pontos da Capitania de São Paulo. Nela se informa que as medidas foram realizadas pelo astrônomo e matemático Francisco de Oliveira Barbosa, tomando como referência o meridiano da ponta ocidental da Ilha do Ferro.
Sobre essas tabelas com as posições geográficas das localidades na América, é importante lembrar que havia coleções dessas “taboadas” circulando entre os astrônomos, matemáticos e engenheiros-militares a serviço da administração colonial (TABOADAS, 1882). Para se ter uma ideia dessa circulação, a revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro publicou um manuscrito que pertencera ao último capitão-general de São Paulo, João Carlos Augusto d’Oyenhausen (1819-21). Este, por sua vez, recebera o dito documento de presente do coronel Ricardo Franco de Almeida Serra (1748-1809), engenheiro-militar português que teve atuação destacada nas comissões de demarcação de limites no terceiro quartel do século XVIII. Neste manuscrito, segundo se informa na revista, Serra coligiu coordenadas geográficas levantadas em diferentes períodos, desde as primeiras, observadas pelos padres Diogo Soares e Domingos Capassi em 1730-31, até aquelas levantadas pelos astrônomos e engenheiros-militares das comissões demarcadoras de limites e, posteriormente, expedições científicas realizadas entre as décadas de 1750-80. Após a morte de Serra, em 1809, Oyehausen passa a atualizar o documento com os dados das observações astronômicas realizadas em São Paulo pela divisão de engenheiros da capitania do período de Bernardo José de Lorena (1788-1797), além de informações obtidas durante viagens realizadas por engenheiros-militares a serviço da administração colonial nas primeiras décadas do século XIX, como as de Luiz d’Alincourt, registradas por Oyenhausen em 1811.
Outro mapa de fins do século XVIII elaborado pela divisão de engenheiros da Capitania de São Paulo, chefiada por João da Costa Ferreira, foi o Mapa Corographico da Capitania de S. Paulo (1791-1792), assinado pelo ajudante de engenheiro Antônio Rodrigues Montesinho, e atualmente mantido na mapoteca do Ministério das Relações Exteriores, no Rio de Janeiro. Segundo Affonso d’Escragnolle Taunay (1922, p. 6), José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, tinha o maior apreço por este mapa, tendo o insigne diplomata mandado reproduzi-lo em parte para encartá-lo na Exposição do Brasil ao arbítrio acerca do contestado de Missões, ajudando-o a obter o triunfo na questão do litígio de Missões.
Deste modo, não cabe exagero dizer que os mapas da capitania de São Paulo elaborados por João da Costa Ferreira e a divisão de engenheiros da Capitania nos tempos de Lorena, sobretudo os elaborados entre 1791-1793, estavam dentre os mais precisos realizados até então, pois contavam não só com ajudantes experientes para fazerem levantamentos da costa, casos do sargento-mor Cândido Xavier de Almeida e do ajudante de engenheiros Antônio Rodrigues Montesinho, mas também, com astrônomos reais, responsáveis pelo cálculo das posições astronômicas das coordenadas geográficas de diferentes pontos da capitania, casos de Bento Sanches d’Orta e Francisco de Oliveira Barbosa.