Thereza Correa de Oliveira
Kwame Nkrumah foi um dos grandes expoentes do pan-africanismo no século XX. Ganês, nascido em 1909, foi um grande revolucionário e personagem principal na história de seu país, vindo até mesmo a se tornar presidente de Gana, em 1960. Tendo iniciado sua formação na escola de Achimota, fundamental para sua formação intelectual, foi ali que Nkrumah conheceu James Aggrey, que foi seu mentor e o responsável por sua formação acadêmica e político-ideológica. Outra figura que também terá grande influência nas idéias de Nkrumah é Marcus Garvey.
Este texto pretende analisar como o conceito de raça se apresenta nas teorias pan-africanistas de Jammes Aggrey e Marcos Garvey, e em que medida as idéias influenciaram Kwame Nkrumah.
As obras de Nkrumah possuem duas matrizes intelectuais distintas: o cristianismo e o marxismo. Entretanto, há influências ideológicas implícitas, mas que foram fundamentais na construção de seu pensamento. Como uma dessas influências encontramos Jammes Aggrey.
Figura importante na gênese do pan-africanismo, foi Aggrey quem semeou e apresentou o pan-africanismo à Nkrumah. Aggrey defendia um nacionalismo africano.
… à maneira de outros pensadores pan-africanos, o significado exato do continente fosse para ele um quadro impressionista cuja única cor realmente discernível era negra. Pois, assim como seus pares, seu pan-africanismo era marcado, àquela época inescapável, da raça.1
Desta forma, Aggrey foi um dos primeiros autores a pensar o continente africano como uma unidade, não só no aspecto cultural ou racial, mas também político.
Para a geração que teorizou a descolonização da África, “raça” foi um conceito norteador e forma, então, um elo com o pan-africanismo, ainda que esse conceito fosse definido de formas diferentes por cada intelectual. Alexander Crummell, por exemplo, define raça como “…uma população compacta e homogênea de uma única ascendência e linhagem sanguínea…”2, conceito este que irá convergir com o que W. E. B. Du Bois vai apresentar, ainda que de forma menos articulada.
Como Du Bois, ele acreditava que “as raças têm sua individualidade” e que “há certas tendências, vistas por mais de duzentos anos em nossa população, que indicam propensões estabelecidas e determinadas e mostram se não estou enganado, o destino das raças. (…) o princípio da raça é uma das coisas mais persistentes na constituição do homem.3
Ainda que Crummell não defendesse ou questionasse de forma explícita o caráter biológico da raça, para Appiah,4 ele possuía o pressuposto de que “existem raças e que ser membro de uma raça implica em certos traços e inclinações”, e que
“sua noção de raça é mais pensada do que sentida. Crummell defendia, também, que os povos africanos – os negros – possuíam um destino comum, justamente por pertencerem a essa única raça. Desta forma, Crummell inaugura o discurso pan-africanista. “Era ele que pensava o povo no da África (…) como sendo único povo, a ser concebido, (…), em certo sentido com uma unidade política natural. Esse é o pressuposto fundamental do pan-africanismo.”5
A problemática dos pan-africanistas era: o que fazer com a questão da raça? O que unia os pan-africanistas era sua ancestralidade africana, portanto, a raça como conceito norteador era inevitável. Aggrey, buscando resolver a questão da raça, encontra uma solução em
uma retórica colaboração racial (branca e negra), acompanhada de uma ênfase na totalidade do continente africano (ou ao menos na porção sul- saariana) como recorte identitário e político e na conseqüente solidariedade com a população negra da diáspora.6
Para ele, a independência deve ser de todo continente, e não de cada território colonial, pois ansiava em “ver a África dentro da irmandade das nações”. Essa foi uma postura também defendida por Nkrumah.
Em contraposição à Jammes Aggrey, estava Marcus Garvey. Outro autor fundamental, tido como um dos pais do pan-africanismo, Garvey promovia a defesa de uma África para os africanos. Garvey funda uma organização cujos objetivos eram
fortalecer a fraternidade entre as raças; promover orgulho racial e recuperar os prejuízos sofridos pelos africanos e seus descendentes; promover o culto cristão consciente entre as ‘tribos nativas da África’ servindo para ‘civilizar tribos atrasadas’ do continente; estabelecer facilidades educacionais, comerciais e industriais para o desenvolvimento do continente dos negros da diáspora.7
A solução de Garvey para o problema racial era a distinção entre as raças e um território exclusivo para cada uma delas. Essa proposta gerou um grande “confronto” entre muitos afro-americanos, inclusive com Du Bois.
Para Muryatan Barbosa,
ele não queria dizer que todos os negros americanos deveriam realizar este regresso – pelo menos, não em curto prazo –, mas que alguns deles, em especial aqueles que possuíssem conhecimentos técnicos modernos, deveriam fazê-lo, em prol do desenvolvimento do continente e de si mesmos.8
Para Felipe Paiva,9 havia certa ironia nas idéias garveyanas que residia no fato dos americanos sulistas o apoiarem. Esse apoio não se devia ao fato desses americanos serem a favor da independência do provo negro, mas sim porque queriam livrar-se dos negros presentes no sul do país. A defesa de Garvey à separação racial e à um território dos negros, reforçaram esse apoio.
Havia uma diferença crucial entre Aggrey e Garvey: ao contrário de Garvey, Aggrey era africano; Garvey, um negro proveniente da diáspora e que nunca pisou no território africano, o qual reivindicava para si.
Para Nkrumah, a luta dos negros da diáspora e dos africanos é “essencialmente a mesma, uma luta de morte contra a opressão, o racismo e a exploração.”10
A definição conceitual de pan-africanismo de Nkrumah – o que o tornou um expoente – de entender a África como seu país e da defesa da cooperação inter-racial, foram características ecoadas de Aggrey. Nkrumah possuía todos os elementos que fizeram de Aggrey famoso à sua época: a colaboração, o tom teológico e o ímpeto independentista.
Cremos na igualdade das raças. Cremos na liberdade dos povos de todas as raças. Cremos na cooperação. […], não estamos lutando contra uma raça, cor ou credo. Estamos lutando contra um sistema”. Para superar esse sistema colonial era preciso “aprender a viver juntos”, pois “Deus nos fez iguais”11
Para Nkrumah, Aggrey defendia o “nacionalismo africano” e Garvey o “nacionalismo negro”. Ainda que Nkrumah defendesse a nacionalidade africana pelo pertencimento territorial, assim como Aggrey, “em muitos momentos da obra nkrumaniana é a raça, e não o pertencimento territorial, que compassa o pan-africanismo”, afirma Paiva.12
Durante sua formação acadêmica, Nkrumah se deparou com diversos autores, mas é categórico ao afirmar que Garvey foi fundamental para o seu engajamento no ideal de libertação e da unidade africana. Entretanto, em um dado momento, Nkrumah tenta afastar a construção de seu discurso de Garvey. De acordo com Paiva13, “no escrito de Nkrumah Africa Must Unite!” é “quase absoluta a ausência de Marcus Garvey”. No único momento em que é citado é, entretanto, de forma relevante: “Uma importante contribuição ao nacionalismo africano e ao pan-africanismo foi o movimento Back to Africa de Marcus Garvey.”14
Nkrumah, então, vai descrevendo o que considera mais importante na história do movimento pan-africanista, cita os diversos congressos realizados por Du Bois, até chegar ao maior evento: o congresso de Manchester, o qual ele realizou, onde foi definido métodos para a realização da independência africana.“Em lugar de um movimento bastante nebuloso, vagamente intencionado no nacionalismo negro, o movimento pan-africano se convertera em uma expressão do nacionalismo africano” .15
*Thereza Correa de Oliveira é graduanda de História pela Universidade Federal Fluminense (UFF)
1. PAIVA, 2019, pp. 132
2.APUD. APPIAH, 1997, pp. 29
3.APPIAH, 1997, pp. 29
4.1997
5.APPIAH, 1997, pp. 24
6.PAIVA, 2019, pp. 135
7.PAIVA, 2019, pp. 187
8.BARBOSA, 2012, pp. 138
9.2019, pp. 188
10. APUD. PAIVA, 2019, pp. 136
11.APUD. PAIVA, 2019, pp. 144
12.2019, pp. 145
13.2019, pp. 193
14.APUD. PAIVA, 2019, 194
15. PAIVA, 2019,pp. 194
Referências bibliográficas:
APPIAH, Kwame Anthony. A invenção da África. In______. Na casa de meu pai: A África na filosofia da cultura. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. cap. 1, p. 19-51.
BARBOSA, M. Pan-africanismo e teoria social: uma herança crítica. África, n. 31-32, p. 135-155, 20 dez. 2012.
FAGE, John D. A independência em Resumo. In:_____. História da África. Lisboa: Edições 70, 2001. cap. 17, p. 477-508.
PAIVA, Felipe. Semente. In:_____. A Biblioteca do Selvagem: Leitura e Revolução na África. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2019. f. 267.